Nem sim, nem não



Affonso Romano De Sant’anna


Quer saber de uma coisa?

Nem o sim, nem o não me convenceram nesse “referendum” ou plebiscito sobre as armas. Vou votar nulo, em branco ou neutro.

Sou a favor da vida? Claro.

Sou contra a morte? Claro.

Sou contra a violência? Claro.

Claro que sou contra essas armas nas mãos dos traficantes.

Claro que acho que os portos e fronteiras deveriam ser mais bem vigiados para que as armas não chegassem às mãos de qualquer um.

Também acho que uma pessoa não treinada a atirar pode se atrapalhar e pensando em se defender, pode acabar criando uma trapalhada mortal na frente de um assaltante.

Mas isso não chega a provar nada.

Não me venham dizer que os maridos e amantes matam mulheres porque têm armas. Como diria Machado de Assis, é muito simplório dizer que a ocasião faz o ladrão, melhor é aceitar que a ocasião faz o furto, o ladrão já nasce feito. Quando alguém fica alucinado ou tem uma fúria assassina, mata com qualquer coisa, pau, faca, joga álcool, bota fogo ou lança a vítima de cima de um edifício.

E essas estatísticas que apresentam para referendar a proibição das armas, estão muito confusas. Pior, a gente sente que estão afim de demonstrar, à força, uma tese determinada.

Pensei em pegar um punhado desses textos que circulam na internet, contra e a favor do desarmamento, e analisá-los. Listar os argumentos de um lado e de outro, para, então, fazer minha opção.

Mas percebi que a coisa não passa por aí. Há algo anterior. Algo mais sutil, que está nos incomodando. Algo que passa pela intuição, pela sensibilidade. Sabe quando você é apresentado a uma pessoa e desconfia de algo e sente que ela não é uma pessoa confiável, que tem ali alguma coisa que não cheira bem?

Pois essa campanha tem esse jeito, tem essa cara. Desde o princípio, pareceu-me misturar alhos com bugalhos. E aí você começa a perceber os interesses, os lobbies (dos dois lados). A propaganda quer nos fazer crer que estão lidando com questões apenas humanas, mas dos dois lados há inarredáveis interesses econômicos, ideológicos e políticos.

Não basta ter bons sentimentos para votar corretamente. De boas intenções o inferno está cheio.

E além do mais, gostaria de saber o quanto estão gastando de lado a lado e de quanto o governo está jogando fora nisto. Jogando fora, sim, repito. Plebiscito é coisa cara. E essa não é uma questão para se resolver em plebiscito. Poderiam fazer algo por amostragem, tipo Ibope, para assessorar comissões de especialistas que estudassem o problema. Esse plebiscito, se não é ingênuo é demagógico e inoportuno. Esse é um assunto complexo e técnico, que requer estudo e conhecimento. Não é botando meia dúzia de artistas com cara de santos e falando piedosamente que chegaremos ao melhor juízo.

E tem uma coisa preocupante: por mais que mereça nossa simpatia, a campanha pelo “sim” é tão ingênua que já se tem a vitória do “não” como certa. Mal orientada, a publicidade a favor do desarmamento está prometendo desarmar primeiramente as vítimas, sem saber como desarmar os criminosos. Por isso, como se não bastassem os mal entendidos, há quem diga que até os traficantes, paradoxalmente, vão votar a favor do desarmamento, uma vez que eles é que têm a ganhar com o desarmamento da população. E há quem diga que os traficantes e as firmas de segurança verão seus negócios prosperarem.

Claro que insegurança em que vivemos é insuportável. Mas não é com um referendum ingênuo e mal encaminhado que vamos resolver a questão.

crônica Jornal Estado de Minas - 16/10/2005
Entre as armas apreendidas por terem sido usadas em algum tipo de crime em Minas, 67,3% são ilegais. Das 6.235 recolhidas entre janeiro e setembro deste ano, apenas 1.201 tiveram a origem verificada. Destas, 808 eram sem registro _ ou contrabandeadas _, contra 393 registradas. Revólveres calibre 38 são maioria (977 unidades). O levantamento é da Delegacia de Armas, Munições e Explosivos. A polícia acredita, no entanto, que entre os 32,7% de equipamentos regularizados, a maior parte estava em poder de terceiros no momento do delito. ‘Quem tem arma de forma honesta não está praticando crimes‘, diz o delegado Marcos Luciano.

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