Peço desculpas

Frei Betto: Autor de “Cartas da Prisão”

Rio - Gostaria de manifestar minhas desculpas a todos que confiaram em mim. Acreditaram em meu suposto poder de multiplicar fortunas. Depositaram em minhas mãos o fruto de anos de trabalho, de economias familiares, o capital de seus empreendimentos. Peço desculpas a quem assiste às suas economias evaporarem pelas chaminés virtuais das Bolsas de Valores, bem como àqueles que se encontram asfixiados pela inadimplência, os juros altos, a escassez de crédito, a proximidade da recessão.

Sei que nas últimas décadas extrapolei meus próprios limites. Fiz a opinião pública acreditar que o meu êxito seria proporcional à minha liberdade. Reduzi todos os valores ao cassino global das bolsas, convenci parte da humanidade de que eu seria capaz de operar o milagre de fazer brotar dinheiro do próprio dinheiro.

Peço desculpas por ter enganado a tantos em tão pouco tempo e pela quebradeira que se desencadeará neste mundo globalizado. Fechadas as torneiras do crédito, as empresas padecerão a sede de capital; obrigadas a reduzir a produção, farão o mesmo com o número de trabalhadores. Países exportadores, como o Brasil, terão menos clientes; portanto, menos dinheiro e precisarão repensar suas políticas econômicas.

Peço desculpas aos contribuintes dos países ricos que vêem seus impostos servirem de bóia de salvamento de bancos e financeiras, fortuna que deveria ser aplicada em direitos sociais. Eu, o mercado, peço desculpas por haver cometido tantos pecados e, agora, transferir a vocês o ônus da penitência. Sei que sou cínico e ganancioso. Só me resta suplicar ao Estado que tenha piedade de mim. Não ouso pedir perdão a Deus, cujo lugar almejei ocupar.

  Escritor Frei Beto
-Cronicas publicadas: Zerar a fome - Engana que eu gosto - SÓ 11% DOS BRASILEIROS CONFIAM NOS POLÍTICOS

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