Lagoa Santa atrai atenção da América

Teoria sobre ocupação humana do continente desperta interesse de experts norte-americanos  


James Feathers (E) e William Farrand (C), das universidades de Washington e Michigan, descobrem segredos da Lapa Vermelha, com Renato Kipnis, da USP
 
Povos e Cultura Distintos
As populações que viveram até 11,5 mil anos atrás nas regiões de Lagoa Santa e da Serra do Cipó eram bem adaptadas ao meio ambiente e à vegetação rupestre. Instrumentos para comer e caçar eram feitos em pedra e foram confeccionados de maneiras diferentes. “Se falamos de arte rupestre, as incidências que estão na área central de Minas são totalmente diferentes das do Norte do Estado, o que nos leva a crer que eram culturas diferenciadas, com valores e formas de expressão diferentes, línguas e estéticas distintas. Por isso, não podemos afirmar que tivemos uma única população pré-histórica, mas vários povos”, explica o arqueólogo e professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais André Prous.

“As datações mais claras são de até 11,5 mil anos atrás, mas os registros e compreensão de possibilidades mais antigas, ainda não temos”, acrescenta Prous. Segundo ele, que trabalha no Museu de História Natural da UFMG, as pesquisas que vêm sendo desenvolvidas em Minas avançam, mas estão ainda na fase inicial da pré-história brasileira.

Em Matozinhos, os estudos do professor Walter Neves e sua equipe vêm revelando novas histórias. Segundo o professor Renato Kipnis, “os povos eram nômades e viviam em grupos com cerca de cinco famílias. Tinham como hábito alimentar-se de frutas e animais, mas, predominantemente frutas e sementes. Há indícios de que andavam constantemente e usavam as grutas como abrigo.”

ALTO SÃO FRANCISCO Outra pesquisa, desenvolvida no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP pelo mestrando Gilmar Pinheiro Henriques Júnior, joga luz na bacia do Alto São Francisco, nos municípios de Pains, Arcos, Córrego Fundo, Formiga, Iguatama e Doresópolis, que têm relevo cárstico semelhante aos de Lagoa Santa e Peruaçu. O objetivo do estudo é entender a ocupação, na região, dos grupos horticultores ceramistas (indígenas pré-históricos que plantavam milho, tabaco, batata-doce e fabricavam vasilhames de cerâmica).

“Encontramos fragmentos de vasilhames, desde pequenos potes até grandes, com volume superior a 60 litros, em um sítio de Pains. No piso das cavernas, achamos uma agulha e uma ponta de flecha feitas em osso, além de vestígios de fogueiras, e, em torno delas, ossos de animais (pequenos mamíferos, répteis e aves) e grande quantidade de uma espécie de mexilhão de água doce”, conta Gilmar, informando que as datações desses achados são bem mais atuais, cerca de 1 mil, 2 mil anos atrás.

fonte: Jornal Estado de Minas de 04 de setembro 2005
São várias as perguntas sem respostas, desde os primeiros achados, no final do século XIX, por Peter Lund, na região de Lagoa Santa. Entretanto, os estudos científicos têm mostrado que Minas Gerais é um celeiro de relíquias da pré-história. Prova disso são as pesquisas que o Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da USP vem desenvolvendo há cinco anos, na região de Lagoa Santa, que já sinalizaram que a colonização das Américas foi bem mais complexa do que se acreditava. Foi com o crânio de “Luzia” que o professor, bioantropólogo e coordenador do LEEH/USP, Walter Neves, comparou dados de Lagoa Santa com o resto do mundo e lançou a teoria, na década de 90, de que a América teria sido ocupada por outro povo, mais similar ao africano e aos aborígines da Austrália, e não ao asiático, como se afirmava.

Para corroborar as teses sobre ‘Luzia’ e reafirmar a grande relevância da região cárstica de Lagoa Santa para a arqueologia e paleontologia brasileira, estiveram na semana passada em Matozinhos dois pesquisadores americanos convidados pela USP. James Feathers, arqueólogo da Universidade de Washington, trabalha com a termoluminescência, mais novo metódo que usa radiação para datar, com refinamento, as peças fósseis, sejam elas de animais, humanos ou vegetais; e William Farrand, geoarqueólogo e diretor emérito do Museu de História Natural da Universidade de Michigan, um dos experts mundiais em achados pré-históricos.

“É minha primeira visita à América do Sul e estou encantado com Minas. Na arqueologia, tudo é questionável e há controvérsias sobre as primeiras ocupações da América. Posso vir a colaborar com o projeto e analisar, juntamente com os demais pesquisadores, se os ossos que foram encontrados nessa região foram enterrados ou se seu sepultamento foi natural, por exemplo”, comenta Farrand.

DATAÇÃO Para entender e complementar o quadro paleoecológico (como era a fauna e flora na região), a equipe da USP escava na Gruta Cuvieri, zona rural de Matozinhos, fazendo rígido controle das camadas de sedimentos onde estão os vestígios e fósseis. Segundo explica Luis Piló, pesquisador no projeto, os resultados, associados às datações, refinarão o conhecimento sobre os animais que habitaram a região.

“Só assim será possível afirmar que o homem e os bichos da chamada megafauna (preguiça-gigante, tigre-dente-de-sabre e tartaruga-gigante), que teriam vivido aqui entre 10 mil e mais de 300 mil anos atrás, conviveram realmente na mesma época”, explica Piló. Para datar um fóssil paleontológico ou arqueológico, o fragmento é enviado para um laboratório em Miami (EUA), onde é usado o método com carbono 14, que extrai proteína desse material e calcula, por radiometria, a idade média dos elementos químicos.

De acordo com o geólogo e professor da UFMG Ricardo Diniz da Costa, são as condições climáticas e não as geológicas as responsáveis pela preservação de fósseis ou achados arqueológicos. No caso dos fósseis é necessária a preservação dos restos ou vestígios, o que significa, usualmente, um ambiente pobre em oxigênio (por exemplo, um lago). “Pains, no Centro-Oeste, e Lagoa Santa apresentam ambientes que auxiliam na conservação, como grutas e cavernas. Essas duas áreas têm em comum o relevo carste, caracterizado pela dissolução das rochas, na maioria das vezes calcárias, que podem gerar sumidouros, cavernas, grutas e várias outras feições”, explica.

"É minha primeira visita à América do Sul e estou encantado com Minas. Posso vir a colaborar com o projeto" William Farrand, geoarqueólogo e diretor emérito do Museu de História Natural da Universidade de Michigan

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