Pampulha e Confins


Murilo Badaró - Presidente da Academia Mineira de Letras
 
O ESTADO DE MINAS, sempre alerta, colocou em debate o problema das obras do Aeroporto da Pampulha, assunto merecedor de atenção não apenas dos usuários daquele aeródromo, mas de quantos se interessam pela correta aplicação de recursos públicos. Moradores das imediações daquele velho campo de pouso, destinado a aeronaves pequenas, a partir da construção do Aeroporto Internacional Tancredo Neves (Confins), dizem estar se mobilizando para opor-lhes embargos e obstáculos.

Afastado da militância político-partidária, meus sentimentos de homem público afloram com indignação ao ouvir o anunciado abuso com o dinheiro público. Faço votos para que uma tempestade de bom senso caia sobre a cabeça dos dirigentes da Infraero, impedindo-os de levar adiante esse malsinado projeto.

O ex-senador Carlos Wilson, atual presidente da empresa estatal, é homem sério e de reconhecido espírito público. Provavelmente ainda não teve tempo ou cuidados para preocupar-se mais detidamente com essa verdadeira aberração, representada pela aplicação de R$ 140 milhões na Pampulha, enquanto o Aeroporto de Confins está às moscas, passando por processo de rápida e irremediável degradação.

 

Os argumentos de que Confins fica distante não têm qualquer validade


Não há uma só pessoa em perfeito domínio e posse de sua capacidade de raciocinar que aceita passivamente esse abuso. O aeroporto localizado no município de Confins, construído na década de 80, para preparar Belo Horizonte para o advento do século XXI, dotado das mais modernas técnicas de segurança para passageiros, com instalações confortáveis e apropriadas aos verdadeiros salões de embarques aéreos, custou alguns milhões ao erário.

Iniciou suas atividades com grande euforia, enquanto a pista de pouso da Pampulha ia dando conta do recado para a aviação de segundo nível. De repente, não se sabe por que misteriosos incentivos, os grandes aviões voltam a pousar na Pampulha, mesmo tendo conhecimento de que as operações ali realizadas são sempre feitas com alto risco para passageiros, tripulantes e moradores das vizinhanças.

Os argumentos de que Confins fica distante não têm qualquer validade. Os R$ 140 milhões a serem aplicados na recuperação do Aeroporto da Pampulha dariam de sobra para colocação de linha privativa de metrô até o aeródromo para passageiros e cargas, duplicação da pista a partir do entroncamento de Vespasiano e a implantação de linha de ônibus em faixas restritas. Tudo isso certamente custará menos do que a inexplicável operação de construção de um terminal para estacionamento de 1,7 mil carros, aumento da sala de embarque e desembarque de passageiros e outras despesas desnecessárias.

Na edição de domingo do EM, o jornalista Cláudio Arreguy fez interessantes comentários acerca dessa obtusa proposta, dizendo com precisão: "... causa-me perplexidade mais que as reformas do Aeroporto da Pampulha, o precoce esquecimento do jovem terminal, capacitado, de acordo com seu projeto, a encontrar a capital mineira bem preparada para o século XXI". O que causa estranheza são a impressionante frieza e o empedernido silêncio com que as autoridades federais respondem a esses questionamentos. No frigir de todos esses ovos de serpente, resta indagar onde está a anunciada mobilização dos moradores da região, completamente paralisados diante de tamanha agressão à sua segurança e conforto. Precisam acordar para a reação, que não pode ficar restrita a meros pronunciamentos ou declarações bombásticas. Esse tipo de problema somente se resolve com muita pressão.

E esta será forte pelo seu conteúdo moral. Incrível como é possível o desperdício de milhões num país com tantas carências. Não sei qual a razão de me haver acorrido à lembrança, no instante em que escrevo estas linhas, o verso de Cecília Meireles no seu Romanceiro da Inconfidência: "...onde a fonte do ouro corre, apodrece a flor da lei!".

fonte: Jornal Estado de Minas - Opinião - 21/out/2003