Belo Horizonte, MG, Brasil, Domingo 07/03/2004

 


Água previne pedra nos rins

 


 


Cristiane Henrique aprendeu a gostar de água depois que sofreu com uma cólica renal, que a obrigou a se submeter à uma endoscopia (Foto Luiz Costa)

Luciana Neves
Repórter

As abomináveis crises de cálculo renal respondem por cerca de 300 atendimentos por dia nos pronto-socorros de Belo Horizonte, conforme o urologista do Hospital Felício Rocho, Francisco Guerra. Considerada pela medicina como a mais lancinante das dores, ficando na frente do enfarte e da dor do parto, a incidência da cólica renal é mais freqüente no Verão, observa o médico. O médico explica que, nesta época, há um aumento natural da sudorese, provocando maior concentração de urina, conseqüentemente, um depósito elevado de sedimentos nos rins e a formação da litíase, popularmente chamada de pedra nos rins. O problema atinge 7% da população brasileira e a proporção é de três homens para cada mulher, principalmente entre os 20 e 50 anos.
Os cálculos renais podem ser prevenidos com a ingestão média de dois litros de líquido por dia, sendo metade água. O indivíduo que forma um cálculo uma vez na vida tem 50% de reincidir. “Isso acontece porque a pessoa não corrige os hábitos que levaram à formação do problema", observa. Diversas são as causas da doença, mas a baixa ingestão de ácido cítrico, encontrado em frutas cítricas, é considerado o principal motivo.
Também o consumo exagerado ou deficiente de cálcio pode desencadear a formação de cálculo renal. Além disso, a elevação do ácido úrico na urina; cirurgias extensas sobre o intestino alterando a absorção e excreção de determinados alimentos; infecção por determinados germes e hereditariedade podem ser causadores de sofrimento para muita gente. Indivíduos de cor branca desenvolvem mais o problema do que os de outras raças, embora não haja estudos que demonstrem o motivo.
A combinação de cerveja com churrasco, para quem têm pedra nos rins, pode ser sinônimo de tortura. Isso porque a bebida promove maior necessidade de urinar. Com isso, explica o médico, a pelve renal e o ureter terão mais espasmos e, conseqüentemente, mais dor. Alimentos com mais sal, como as saborosas carnes dos churrascos, requerem maior ingestão de líquido e, portanto, aumento da diurese. “O sal também está relacionado com alterações metabólicas renais, podendo ser fator de interação com outros alimentos, propiciando a formação de cálculos", explica.
O urologista afirma, entretanto, que não há necessidade de o paciente apresentar dor ou algum sintoma para haver o diagnóstico de litíase e conseqüente complicação. Os sinais estão relacionados ao tamanho e localização do cálculo. Francisco Guerra explica que, se o cálculo estiver situado no rim, o mais comum é a pessoa não sentir dor, mas pode haver perda de sangue na urina e infecção no trato urinário. Já se a pedra estiver localizada na pelve renal e ureter, o paciente geralmente apresenta dor lombar, semelhante à uma cólica.
Mas se a pedra estiver no ureter médio para baixo ou mesmo próximo à bexiga, a dor pode ser abdominal e provocar sintomas urinários, simulando quadro de infecção. A pessoa vai urinar várias vezes em pequenas quantidades (com dor ou não), ter sensação de querer urinar várias vezes e de esvaziamento incompleto da bexiga, além da sensação de querer evacuar. Há irradiação da dor, conforme o urologista, para a região da genitália (vagina ou escroto) ou parte interna da coxa. O médico explica que o sangue na urina acontece pelo traumatismo que o cálculo gera na via excretora. “A dor se explica devido à contração do ureter, no intuito de fazer a progressão da urina chegar ate a bexiga e na tentativa de eliminar o cálculo".


Dor não depende do tamanho da pedra

Pacientes que possuem cálculos renais de até quatro milímetros de tamanho conseguem eliminá-lo de forma espontânea; de cinco a seis milímetros, 50% a 60% dos enfermos expelem sem necessidade de tratamento; mas apenas 10% a 20% expulsam pedras maiores que seis milímetros sem intervenção médica. “Não é possível fazer associação de tamanho do cálculo com a intensidade da dor, pois pode haver uma pedra com dois milímetros e a pessoa sentir muita dor, enquanto outra com um cálculo bem maior não sentir nada", afirma o urologista Francisco Guerra.
A pedra pode ser formada por diversas composições químicas - oxalato de cálcio, fosfato amorfo, ácido úrico, cistina, entre outros produtos do metabolismo do corpo, oriundos de fatores alimentares, doenças orgânicas (problemas da tireóide, obesidade mórbida) e baixa ingestão de líquido. Há quem acredita que o maior consumo de tomate, que possui oxalato, pode fazer mal ao organismo. Mas a literatura médica prevê que essa quantidade deve ser de 20 quilos diários para contribuir com a formação do cálculo. “Só justifica-se a restrição de alimentos ricos em cálcio para pacientes que foram estudados e apresentaram distúrbios de metabolismo para o cálcio", ressaltou. Ele afirma que aqueles que formaram um segundo episódio de cálculo renal têm indicação de estudo do metabolismo urinário para definir os fatores causais.
Francisco Guerra orienta às pessoas, principalmente aos jovens, para o cuidado com a utilização de anabolizantes ou produtos que tenham macromoléculas de proteínas, pois propiciam a lesão do rim, podendo promover a formação de cálculos ou mesmo distúrbios de funcionamento do rim. “Isso é variável. Às vezes uma pequena dose pode não ser lesiva para determinado organismo, mas ser altamente prejudicial para outro".
Mas existem três locais onde a pedra pode estacionar e intensificar a dor - a junção da pelve renal com o ureter; vasos ilíacos (cruzamento de vasos sangüíneos) e entrada da bexiga. “É muito comum paciente com dor lombar de causa ortopédica procurar o consultório de urologia por ele acreditar que a dor lombar é igual à causada pelo rim. O médico deve ter segurança de que não há qualquer dor renal associada", afirma. Portanto, é prudente que sejam realizados exames de imagem (ultra-som e raio-X) e ter certeza de que não há qualquer problema urológico. Feito isso, o paciente é encaminhado para o ortopedista para tratamento osteomuscular.


Local e dimensão indicam tratamento

Dor habitualmente de forte intensidade, que pode ser acompanhada de náusea, vômito e perda de sangue na urina, na maioria das vezes microscópica são os sintomas principais da cólica renal e sugerem o diagnóstico. Quando associada à infecção, o indivíduo pode ter febre. O urologista Francisco Guerra afirma que pacientes com indicação de tratamento, mas sem dor, costumam banalizar a situação, postergando o tratamento. No entanto, esse comportamento pode provocar conseqüências desastrosas para o rim e o paciente necessitar inclusive de diálise.
Uma avaliação médica periódica pode mostrar a presença de infecção, mesmo se o paciente não apresenta sintomas. Guerra afirma que 70% a 80% dos cálculos são observados no raio X do abdômen. Associado ao ultra-som, que permite visualizar dilatação ou outras lesões do rim, as chances de diagnóstico sobem para 90%. Mas o exame mais completo é a urografia excretora - uma série de radiografias utilizando contrastes, que possibilita um estudo mais minucioso das vias urinárias e detecção de pequenos cálculos não captados por métodos menos invasivos.
O tratamento está relacionado com a localização e tamanho do cálculo. Pode ser conservador, quando a pedra tem até quatro milímetros e 90% delas são expelidas espontaneamente, em até duas semanas, com aumento da ingestão de líquido. Já a litotripsia extracorpórea, vulgarmente chamada de laser, consiste na emissão de ondas acústicas ao longo do trajeto urinário.
Ao localizar a pedra, as ondas emitidas pelo aparelho vão desestabilizar a estrutura química do cálculo com conseqüente fragmentações. O procedimento dura aproximadamente 40 minutos e a taxa de sucesso, conforme o médico, é de 70% a 80% de fragmentação, para cálculos de pelve renal e ureter proximal, e de 40% a 60% para ureter distal. A partir daí, recomenda-se o consumo maior de líquido para promover a eliminação das pedras.


Cirurgia tem 97% de sucesso

Outra possibilidade de tratamento é a ureteroscopia, quando o ureter é acessado através de um aparelho endoscópico. A visualização é feita por um monitor e o cálculo é retirado por inteiro ou fragmentado, conforme o tamanho. “A grande vantagem é que o paciente faz o procedimento, com taxa de sucesso de 97%, e já se vê livre do cálculo", afirmou o urologista Francisco Guerra. A intervenção necessita de sedação ou bloqueio raquimedular ou peridural. Ele observa que muitas vezes é necessária associação de mais de um tratamento.
Também existe a cirurgia percutânea, que consiste na punção do rim com uma agulha, seguida de dilatações no órgão até alcançar um diâmetro de passagem para, com um aparelho nefroscópico, chegar ao cálculo e então retirá-lo. A cirurgia convencional (aberta) é reservada somente para casos em que não houve sucesso com as modalidades mais avançadas de tratamento.
A dona de casa Cristiane Henrique Silva, 25 anos, submeteu-se à uma ureteroscopia recentemente, depois de ter sido acometida por uma forte cólica renal. O cálculo, com seis milímetros, estava localizado na uretra. “Tomei bastante líquido e analgésico, mas a dor não passou. A pedra foi removida pelo canal da urina, por endoscopia", afirma Cristiane. O procedimento não interferiu em nada na sua gravidez de três meses. “Antes não tomava muita água. Tinha dia que eu até esquecia, acabava bebendo suco ou refrigerante. Hoje aprendi a gostar de água", afirma.
 Fonte: Jornal Hoje  em Dia