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Rei:
Wagner/Vavá e a Rainha Cleide Catarina |
Texto
de Erika
Bányai - fotos de Consuelo de Abreu e Erika Bányai |
FESTA
DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO
10 de Outubro de 2010
Iniciou no dia anterior, com o hasteamento
das bandeiras frente à Igreja.
Os reis do ano foram Wagner Cândido Matozinhos (Vavá)
e Cleide Maria Catarina.
Vale lembrar que Vavá é herdeiro da dedicação
da família Matozinhos, de origem dos escravos da Fazenda
do Mandi/Campo Belo, em praticar e preservar os cultos e tradições
afro em Lagoa Santa! Seu pai, o Sr. Matozinhos, um ícone
na preservação da cultura de raízes em nossa
cidade.
produção: www.lagoasanta.com.br
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A
HISTÓRIA DO CULTO
Como
todos sabem as Igrejas dedicadas à N. Sra. do Rosário
tradicionalmente eram construídos por escravos e com recursos
muitas vezes de ex-escravos. A idéia era que, tivessem eles
também acesso à uma Igreja católica. Curiosamente,
embora fossem batizados por padres católicos, recebendo nomes
até de santos para homenageá-los, geralmente não
podiam freqüentar a Igreja.
Vez por outra era-lhes permitido assistir à Santa Missa às
portas, do lado de fora ou nos últimos bancos ou mesmo no chão
lá nos fundos da igreja.
Entretanto, intriga por que os senhores de escravos permitiam a construção
de tais igrejas e colaboravam até nas festas e liberavam os
escravos para participar dos festejos? (ver
detalhes sobre em F.N.Sra. do Rosário/2009).
Uma das
razões era o simples fato de ‘amansar’ os escravos,
evitando rebeliões e fugas prometendo-lhes um dia ou dois dias
de liberdade para organizarem sua festa...
Mas
a mais provável explicação mesmo está
ligada ao surgimento da imagem da santa, segundo nos conta
João Lopes, um dos congadeiros mais antigos de Belo Horizonte
(da qual descende Luis Antonio Martins, o “Lulu do Candombe
de Lagoa Santa) em entrevista para o livro: Afrografias da Memória:
N. Sra. Do Rosário é saudada com a frase “undamba
berê, berê, dione de calunga uaiá”,
que em quimbundo, significa “mulher bonita, senhora das águas
do mar”, pois a primeira imagem dela surgiu das águas
do mar.
É
esta a história também que nos conta a Sra. Helena,
primeira Capitã da Guarda de N. Sra. Do Rosário da Lapinha:
“a imagem foi encontrada na praia do mar...”
Uma versão muito recorrente em Minas Gerais nos conta que,
no tempo da escravidão, os negros viram uma imagem da Santa
vagando nas águas do mar. Entretanto, em variantes da lenda
recolhida por pesquisadores, a imagem ora aparece nas águas
ora no deserto ou sobre uma pedra.
Segundo o Sr. José Custódio, Caixeiro da Guarda
do Congo União do N. Sra. Do Rosário de Lagoa Santa
e São José da Lapa: “N. Sra. apareceu numa lapa,
dentro de uma gruta, num lugar cheio de grutas como a região
da Lapinha”.
Segundo Gersino (Atores do Pândega), apesar de Minas não
ser banhado pelo mar, a travessia dolorosa e traumática do
mar pra chegar no Brasil, marca a memória dos escravos, que,
geração após geração e mesmo passados
os séculos a visão da santa que surge das águas
do mar para abençoá-los, protegê-los é
perpetuada.
Enfim,
quando a imagem apareceu, os senhores de escravos recolheram-na e
a abrigaram numa Igrejinha, para tanto foi organizada uma procissão
com banda de música, o santo padre, as beatas e a elite escravocrata
para conduzir a imagem até a tal Igrejinha...
Entretanto,
quando o dia amanheceu, a imagem retornou ao mesmo local de origem.
A capela que recebia a imagem da santa fora construída pelos
escravos, mas na qual os negros não podiam entrar.
Apesar dos hinos, preces e oferendas, no dia seguinte a imagem sempre
desaparecia do altar em várias tentativas frustradas de manter
a santa na igrejinha.
Conta-nos Wagner Matozinhos, o Vavá da Folia e do Candombe,
que os escravos insistiram com os seus senhores que finalmente permitem-nos
rezar para a imagem. Vavá explica que “uma guarda de
escravos do Congo vão até a praia com seus tambores
denominados de Santana, Santa. Maria, Chama e Trigo e com a Cuíca
e conseguem que a Santa os acompanhe até a capela.”
A
Capitã Helena da Lapinha insiste em ressaltar que somente os
tambores agradaram à Santa, que a banda chique dos brancos
não convenceu a Santa.
Lulu, líder dos candomberos de Lagoa Santa pontua a contribuição
dos escravos com seus tambores – os candombes, à permanência
da santa na igreja, portanto, finalmente protegida! Daí, portanto
a provável permissão dos brancos para os festejos e
construção de Igrejas próprias.
E assim sendo. N. Sra. Do Rosário passa a ser a santa predileta
dos escravos, afinal, ela ‘deu moral’ a eles, mostrando
aos brancos que os negros também direito à freqüentar
uma Igreja e venerar uma santa ao modo deles, com os seus cânticos
e instrumentos de origem africana.
A FESTA 2010
Aconteceu no dia 10 de outubro, domingo, durante todo o dia. Mas se
iniciou no dia anterior, com o hasteamento das bandeiras frente à
Igreja.
Os reis do ano foram Wagner Cândido Matozinhos (Vavá)
e Cleide Maria Catarina.
Vale lembrar que Vavá é herdeiro da dedicação
da família Matozinhos, de origem dos escravos da Fazenda do
Mandi/Campo Belo, em praticar e preservar os cultos e tradições
afro em Lagoa Santa! Seu pai, o Sr. Matozinhos, um ícone na
preservação da cultura de raízes em nossa cidade.
A Festa é sempre linda, porém foi pouco prestigiada
novamente pela população de Lagoa Santa. Muitos expectadores
de fora: Matozinhos, Vespasiano, BH e até de Jaboticatubas!
Mas, nenhuma autoridade de Lagoa Santa esteve presente, nem a Secretaria
de Cultura.
A força pra que esta maravilhosa tradição não
se perca conta com a ajuda de muita gente. Gente linda, brilhante
da comunidade: D. Antera, Aninha, Sassá (feijoada), Camilo
(transporte), D. Helena do Satãns, Lulu (Candombe), Flavinho
de Tristão (caminhão), Tâninha da Secretaria de
Cultura, Anderson Matozinhos (trânsito), Elielson, Consuelo
(verduras)...as senhoras da cozinha: Graça, Maria do Patrocínio,
Duquinha, Maria e Tuca, D. Celina, além dos patrocinadores
cujos nomes podemos todos os anos constatar no folder de divulgação
da Festa.
Um parabéns especial vale também para D. Inêz,
guardiã/zeladora a muitos anos da Igreja... que com muita luta
e carinho toma iniciativas paleativas para minimizar os estragos que
as intempéries da natureza tem ocasionado à Igreja.
Lamentavelmente a Igreja se encontra cada vez mais deteriorada.
A última reforma ocorreu em 2004. A cruz, que se encontra no
seu topo, reformada no mesmo ano, por um especialista de Mariana,
custou o absurdo de cinco mil reais e teve um de seus braços
caídos um ano depois... na festa do ano passado um
dos braços ainda estava lá, agora, a cruz não
passa de um toco de pau no alto da Igreja. Os congadeiros Geraldo
Matoso e Edinho, ambos da Folia de Reis de São Sebastião
do Campo Belo comentaram indignados o absurdo e que eles teriam feito
o trabalho de graça para a Igreja!
Soubemos que a atual Secretaria de Cultura teve o Projeto Arquitetônico
de recuperação das três igrejas tombadas de Lagoa
Santa (N. Sra. Do Rosário, Santana do Fidalguinho e N. Sra
da Conceição/Morro do Cruzeiro) aprovados pelo IEPHA
e conta com recomendação do Promotor Dr. Marcos Paulo
de Miranda e que estão entrando em todos os editais pra conseguir
a verba necessária para as obras e lutam para que o mais breve
sejam recuperadas! Que N. Sra. Do Rosário diga amém
e parabéns pela iniciativa da Secretária Renata Rosa!
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