O
GARI E O
POLÍTICO Em comum apenas o fato de
lidarem com sujeiras. O gari com o sujo material, produto da
negligência, ignorância e da má
educação social e de falta de higiene dos que
vivem em comunidade. O político, bem, o político,
não precisa cogitar de coisa suja: quando, todos, no
mundo inteiro, vemos e sentimos o charco e a podridão que
envolvem aqueles que cuidam da “coisa pública"
com as honrosas exceções. Sabem de uma coisa?
Curiosamente, tenho observado a aparência e o cuidado
dos chamados responsáveis pela coleta de lixo, quero
dizer da “sujeira pública"; e tenho
concluído maravilhas: são limpos, asseados, de
barba feita - quando homens -; de cabelos cuidados - quando
mulheres -; roupas passadas, lisas, mesmo em meio a toda a
sujeira que recolhem. Isto me fez raciocinar como o grande
filósofo alemão, Nietzsche: “O nojo pela
sujeira pode ser tão grande que impede que nos
purifiquemos, - que nos “justifiquemos". É
fato, somente quem não teme a sujeira é capaz de
limpá-la; pois, do contrário, se tivesse horror
à mesma, dela fugiria; e a mesma aumentaria, a tal ponto,
que ele se tornaria parte indefesa dela própria.
Vamos, pois, garis, para combater a sujeira, não
temê-la; enfrentando-a, para acabar com ela. E, enquanto
fazem isto, os banhos habituais, com os sabonetes cheirosos de
sempre, os manterão cada vez mais limpos, ao passo que a
sujeira não resiste a vocês, que são
encarregados de removê-la: parabéns, garis, de todo
o mundo; homens e mulheres limpos, e que se tornam ainda mais
limpos ao não temerem e combaterem a sujeira do mundo!
Mas, até o momento, nos referimos à sujeira
exclusivamente material. Sujeira com que o homem,
criminosamente, contamina o próprio ambiente onde vive.
Mas e os políticos? Lembram-se do título:
Garis e políticos? Bem, no início deste artigo
frisamos o charco e a podridão que envolvem a
“coisa pública" e contamina aqueles que dela
cuidam: os políticos, fora as nobres
exceções. Há, contudo, uma
diferença essencial entre a sujeira do gari e a sujeira
do político: primeiro, que a sujeira do gari não
é de sua responsabilidade; pelo contrário, sua
responsabilidade é caprichar em sua própria
limpeza para não ser vitimado pelo mal causado por
outros. Daí, ser um preconceito achar-se que o gari
é sujo porque lida com a sujeira: sujo é quem
assim pensa; sujo na mente, sujo no coração.
Já na política, lamentavelmente, a sujeira
é produzida justamente por aqueles que, demagogicamente,
se propõem a limpá-la: acabam aumentando-a,
inclusive, inovando-a, com novas formas de sujeiras. E o
pior, se há as exceções - que sempre
existem -, elas apenas vêm a confirmar a regra: os bons,
ou se omitem - e se tornam piores do que os corruptos -; ou
só lhes resta a decepção consigo mesmos,
por terem se iludido com a possibilidade de se manterem limpos
no meio de tanta e histórica sujeira: e, pior ainda,
enquanto os garis dispõem de sabonetes e perfumes que os
tornam asseados e contrastantes com a sujeira que combatem, os
políticos, cada vez mais, se tornam mais sujos, pois
é uma sujeira que os agride por dentro: no nível
da consciência, do caráter e da dignidade... Ao
fim de tanta sujeira, enquanto os garis, moralmente garantidos
de nada terem com a sujeira que combatem, e até
estimulados em sua limpeza, exalam, na limpeza e no cuidado com
a limpeza de seus corpos, o sentimento nobre de sintonia com a
alvura de suas consciências, onde o lixo material jamais
atuará. Os políticos, ah! Os pobres
políticos! Estes, por mais que lavem os corpos, com
sabonetes e perfumes caríssimos - seus salários
permitem... -, jamais, em tempo algum, removerão o mal
cheiro e a podridão que o peso de suas consciências
- desde o corrupto ao omisso-fora as nobres
exceções - exala fetidamente, desde os corredores
palacianos até os banheiros públicos! Foi
exagero, algum ato de injustiça, algo de errado o que
aqui escrevemos? Se foi, que me perdoem os garis pela
justiça maior que não lhes fiz. E, é
lógico, as nobres exceções que ainda
mantêm a política como o mal mais necessário
ao homem, mais que o próprio dinheiro.
(*)
Sagrado Lamir David é médico e escritor
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